segunda-feira, 22 de abril de 2013

Mas esse mundo ainda tem jeito

     Na última sexta-feira, voltando para casa depois da meia-noite, consegui ainda adentrar o famoso "último ônibus" que, em uma sexta-feira, consegue variar de extremos: deixa de ser o coletivo-dos-cansados e passa a ser o transportador de baladeiros. Meu caso não era nenhum desses. Ia tranquila, observando tudo, deixando de lado pelos próximos quinze minutos de trajeto o hábito de ler, ouvir música ou mexer no celular. Até porque mal conseguia me mexer para pegar o livro, o celular ou o fone de ouvido.

    Segundos antes de o coletivo partir, uns cinco rapazes rumo-à-balada entraram e preferiram ficar em pé, na porta, bem a minha frente. Deles, vinha o fulgor da juventude: risadinhas estridentes, expectativa por quantas iriam "pegar" aquela noite, gírias e quase nenhuma frase que não se relacionasse a sexo. Nada que não soasse natural, exceto para o moço a meu lado, que, óculos com lente colorida espelhada por cima do boné do Corinthians,  determinou:

_Mano, vocês querem fazer o favor de respeitar a moça aqui do lado? Po%&*@, se fosse a irmã ou a mãe de vocês aqui sentada, não estariam falando essas coisas! Respeita aí, falou?

     A moça de fato não era irmã nem mãe ali. A moça era eu. Eu-moça não estava incomodada com a conversa; ao contrário: eu-moça estava a recordar, com certa saudade, as ocasiões em que era eu ali, parte de um grupinho, contando os minutos para o que eu considerava diversão, não por acaso os mesmos assuntos (a não ser pelas gírias). Eu-moça estava a reparar a semelhança dos rapazes com meus primos, meu irmão, e imaginando que, se já estavam cheios de assunto, voltariam transbordando. Eu-moça estava já crescida, sabe-se lá o que isso queira dizer, e pedia a Deus que os protegesse, quase arriscando (só para mim mesma, é claro) uma das falas maternas mais pronunciadas: "só não vão beber muito, hein?!", mesmo sabendo que, sim, eles beberiam muito - inclusive já estavam planejando o esquenta no próximo posto de gasolina. E eu-moça, seguindo a mesma linha protetora, temi por uma briga ali mesmo, da qual eu seria o pivô, de graça. Mas eis que a graça, mesmo, foram os momentos seguintes à bronca coletiva. TODOS os rapazes responderam, quase ao mesmo tempo:

_Pô, pode crer, foi mal aí moça! Sérião, desculpa mesmo! _seguidos por um aceno com a aba do boné corinthiano e um "jóinha", que algo me diz estar mais para um "falou, é isso aê".

     Silenciaram, desembarcaram, seguiram em frente. Eu, ainda admirada, tive a admiração cortada pelo integrante do bando de loucos:

_Sabe como é, eu não consigo aceitar essas coisas. Mano, esse tipo de conversinha tem hora e lugar. Você deve ter seus vinte anos, a idade do meu filho. Meu filho se fala uma coisa dessas perto de uma moça... na verdade ele nem é louco de falar, educação vem de casa. Na minha época rolava mais respeito. Esse mundo tá mesmo perdido.

     Vinte e um. Mas esse mundo ainda tem jeito.